domingo, 8 de maio de 2011

Uma análise fria sobre o fogo.

Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos

Artigo publicado originalmente na revista Vox Scientiae na edição de janeiro/fevereiro de 2008.
http://www.abradic.com/voxscientiae/anteriores.html


   O fogo sempre fascinou a humanidade. A luz amarela, o forte calor, os movimentos dançantes da chama, as labaredas que se desprendem, a fumaça que se eleva, o perigo de se queimar e a origem a partir de uma simples faísca tornam a fogueira fascinante. Enquanto todos os animais fogem do fogo, o homem, desde criança, é atraído por ele. Seu poder destrutivo parece não intimidar a maioria das pessoas. As religiões associam o fogo ao divino. Em quase todos os rituais religiosos aparecem velas ou mesmo fogueiras. O filósofo grego Heráclito de Éfeso via no fogo o elemento que estava na composição de tudo o que nos cerca. Segundo ele, todas as coisas poderiam ser convertidas em fogo e vice-versa. Outro filósofo grego, Empédocles de Agrigento, afirmava que o fogo era um dos quatro elementos básicos da natureza. Os outros três elementos eram a água, o ar e a terra. Mas o que é o fogo ? De onde ele vem e para onde ele vai ? De onde vem a luz e o calor que ele emite ? De onde vem a fumaça ? E o calor do nosso corpo ? Temos um fogo interior ? O Sol é um fogo que está no céu ? Estas perguntas que sempre intrigaram a humanidade podem ser revistas sob uma ótica científica. Uma análise fria e racional sobre o fogo é esclarecedora. 


   O que é o fogo ? Para entender um pouco o fogo, é necessário saber vagamente do que é feita a matéria. Toda matéria (toda mesmo) é formada por partículas chamadas de átomos. O átomo tem cerca de 0,0000001 milímetros de diâmetro. Existem na natureza 92 tipos de átomos e mais 24 variedades artificiais. Com exceção dos gases nobres, os átomos se combinam para formar grupos chamados de moléculas. Elas formam as diversas substâncias que estão à nossa volta como a água, o oxigênio gasoso, o nitrogênio gasoso, o gás carbônico, os açúcares, as proteínas, as gorduras, a celulose, o DNA, etc. A maneira com que as moléculas se agrupam determinam seu estado físico (sólido, líquido ou gasoso), sua densidade, sua textura, etc. 


   O processo onde moléculas são quebradas e seus átomos formam novas é denominado reação química. Para destruir uma molécula é necessário fornecer-lhe energia. Esta energia pode assumir várias formas como luz, calor, corrente elétrica, etc. Inversamente, a formação de uma molécula libera energia. Se a energia consumida pela quebra das moléculas for maior do que a energia liberada pela formação das novas, a reação química absorve energia e é denominada endotérmica. Caso a energia consumida pela quebra das moléculas seja menor do que a liberada pela formação das novas, a reação química fornece energia e é chamada de exotérmica. Em outras palavras: 


• energia consumida na destruição das moléculas > energia liberada na formação de novas moléculas .
Processo final consumiu energia, reação endotérmica


• energia consumida na destruição das moléculas < energia liberada na formação de novas moléculas. Processo final liberou energia, reação exotérmica


   Um dos gases que compõem o ar é o oxigênio (já citado), totalizando cerca de 21% do total da atmosfera. As moléculas do oxigênio são formadas por dois átomos de oxigênio (o nome é o mesmo). 


   Os combustíveis (ou inflamáveis) são materiais que ao terem suas moléculas quebradas tendem a se combinar com átomos de oxigênio. A energia para quebrar moléculas de um combustível pode ser uma faísca elétrica, um feixe concentrado de luz, um superaquecimento, um atrito entre dois materiais, etc. Se o combustível estiver em contato com ar, a mesma fonte de energia que quebrou suas moléculas também quebrará as de oxigênio. Consequentemente se processa uma reação química exotérmica e a energia liberada fica na forma de luz e calor. Parte desta energia liberada quebra as moléculas vizinhas à reação e o processo se repete. Enquanto houver combustível em contato com ar recebendo energia de moléculas vizinhas, a reação poderá se repetir. Após o consumo de todo o combustível, a reação cessa. Esta reação química é chamada de combustão. Como o leitor já deve desconfiar, é o que nós chamamos de fogo. 


   O fogo é uma reação em cadeia e pode ser entendido de forma recursiva. A etapa 1 leva a 2 e vice-versa.


1. quebra as moléculas do combustível e do oxigênio do ar, consumindo energia


2. formação de moléculas, a partir de átomos de oxigênio e de combustíveis das moléculas destruídas, liberando energia


   Um exemplo de combustão é chama do fogão. Quando acendemos o fogo, abrimos uma válvula de gás. O gás liberado é o combustível. Provocando uma faísca na saída do gás, as moléculas que estão chegando são quebradas, (etapa 1). Novas moléculas se formarão, liberando luz e calor (etapa 2). A energia liberada quebrará novas moléculas que estão chegando (etapa 1) e assim por diante. Se fechamos a saída de gás, acaba o combustível, novas moléculas não poderão ser quebradas (impedindo o etapa 1) e o fogo cessa. 


   Outro exemplo de combustão é a chama do palito de fósforo. A cabeça do fósforo é composta de um material que com um simples atrito já tem suas moléculas quebradas (etapa 1). Após o fogo se iniciar, ele aquece madeira que compõe o palito (etapa 1), que também passa a fazer parte da reação. Se o fogo encosta em outro combustível, por exemplo um pedaço de papel, algumas moléculas do outro material se quebram (etapa 1) e o fogo se inicia nele também.


   Quando uma molécula de uma substância não inflamável se quebra, ela não se combina com os átomos de oxigênio ou não libera energia suficiente para quebrar moléculas vizinhas. Por exemplo, para quebrar uma molécula de água é necessário uma energia muito superior a uma faísca. Mesmo que quebremos várias moléculas de água, elas tendem a formar o mesmo tipo de molécula. Parte da energia liberada na formação das novas moléculas de água aquece o sistema e o que sobra não é suficiente para quebrar as moléculas vizinhas. Por isso é que a água não é inflamável. Outro exemplo de substância não inflamável é o ferro. Apesar do ferro se combinar com o oxigênio, formando a ferrugem, a energia liberada é tão pequena que nem mesmo pode ser detectada. Alguns químicos denominam a oxidação do ferro de combustão lenta, mas o que ocorre com ele é bem diferente do fogo que conhecemos. A formação de ferrugem não libera luz e calor tal como o fogo comum.


   Muitas moléculas que se originam da combustão assumem o estado gasoso. Elas formam a fumaça que se desprende do fogo. Um exemplo típico é o gás carbônico, produzido por qualquer combustão de matéria orgânica. O gás aquecido fica menos denso do que ar circundante. Assim a fumaça se eleva. O ar acima da chama também fica aquecido e se eleva junto com a fumaça. O próprio combustível que está sendo queimado é ``empurrado'' para cima. Isto dá o formato da chama, sempre apontando para o alto. 


   Muitas vezes o fogo passa de aliado para inimigo. É o caso dos incêndios. Então o conhecimento que temos sobre o fogo passa a ser usado para combate-lo. Existem duas maneiras pela qual o fogo é combatido. Uma delas é esfriar o combustível, ou seja, retirar a energia térmica dele. Se a energia térmica retirada for suficiente para impedir que as moléculas quebrem, a reação é interrompida. Em outras palavras, a etapa 1 não ocorre, consequentemente a 2 também não. Este procedimento é usado jogando água ou outro material frio sobre o combustível. Caso não seja possível resfriar o combustível, procura-se interromper seu contato com o ar porque é nele que se encontra o oxigênio. Neste caso o que não ocorre é a etapa 2, o que impede a 1. Isso é feito cobrindo o fogo com algum material não inflamável como um pano (se o fogo é pequeno), algum tipo de pó químico que recobre o combustível, etc. 


   Inúmeros filósofos da antiguidade achavam que o homem tinha uma espécie de fogo interior que o mantinha aquecido. Eles não estavam tão errados. Na verdade, as reações químicas associadas à respiração são similares à combustão. O ser humano respira oxigênio e exala gás carbônico. Porém, na respiração o oxigênio não reage diretamente com os alimentos combustíveis, os carboidratos (açucares) e lipídios (gorduras). A reação passa por inúmeras etapas intermediárias e a energia liberada não assume a forma de luz, apenas de calor e movimento. Enquanto o ser humano está vivo, seu calor é mantido pela respiração. Após a morte, a respiração cessa, consequentemente o corpo fica frio e imóvel. 


   Os antigos também acreditavam que o Sol era um grande fogo celeste. Eles estavam completamente errados. O Sol é feito praticamente apenas de hidrogênio e hélio e quase não contêm oxigênio. A fonte de luz e calor do Sol é a reação de fusão nuclear, que consiste na transformação de hidrogênio em hélio. 


   Assim o fogo não é um elemento fixo, ele é uma transformação. Mesmo uma visão fria revela que o fogo não deixa de ser uma grande metáfora de nossa vida. Ele não é algo, mas é um processo, uma passagem. E no fogo de nossa vida, somos o combustível que queima, que se transforma a cada dia.

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