terça-feira, 18 de outubro de 2011

Mecânica Quântica garante que a consciência altera a realidade?



Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos


   Um dos físicos mais famosos da atualidade é o indiano Amit Goswami. Ele escreveu o livro "O universo autoconsciente" e foi um dos protagonistas do filme "Quem somos nós?". No dia 29 de agosto de 2007, no Instituto de Biociências (IB) do câmpus da UNESP de Botucatu, ele proferiu a palestra "O Médico Quântico - Em Busca de uma Medicina Integral".

   A atividade fez parte do projeto de Divulgação Científica "Ciência na UNESP". Ele e outros físicos, como Frijot Capra, Deepak Chopra e Danah Zohar, popularizaram a idéia de que segundo a Mecânica Quântica, a consciência de cada pessoa pode alterar a realidade ao seu redor. Fica difícil explicar a quem não é especialista que a Mecânica Quântica não fornece provas de tal crença.

   A Mecânica Quântica é um ramo da Física relacionado às partículas que compõem a matéria. Ela parte de uma série de postulados formulados matematicamente que descrevem o comportamento de qualquer sistema físico. Todos os experimentos realizados nos últimos 70 anos confirmam os resultados previstos pela Mecânica Quântica. Mas a interpretação dos postulados e de suas conseqüências não encontra unanimidade. Infelizmente, alguns escritores não deixam claro aos seus leitores que a Mecânica Quântica é distinta de suas interpretações.

   Não é possível resumir os postulados da Mecânica Quântica sem apelar para conhecimentos avançados de Matemática. O máximo que se pode fazer é mostrar algumas conseqüências dos postulados. Uma das principais é que a tomada de uma medida pode alterar o sistema físico medido.
Partindo da afirmação de que "a medição pode alterar o sistema medido" alguns físicos concluíram que "a consciência altera a realidade". Esta conclusão é precipitada e não depende inteiramente da Mecânica Quântica. É necessário analisar a primeira afirmação para entender sob que condição se conclui a segunda.

   Em primeiro lugar, o que é uma medida? Para medir qualquer sistema físico, é necessário interagir com ele. E é esta interação que modifica o sistema. Por exemplo, para localizar um elétron, é necessário que ele interaja com um fóton (uma espécie de partícula de luz). A interação pode refletir o fóton, absorvê-lo ou produzir outro.

   Um fóton refletido ou produzido será detectado e então é possível saber "onde está o elétron" naquele instante. Mas a interação modifica a velocidade. Para medir a velocidade do elétron a interação fica mais complicada. Neste caso é a posição que fica alterada. Ou seja, medir a posição altera a velocidade e vice-versa. Isso é conhecido como "princípio da incerteza de Heisenberg". 

   E se não houvesse ninguém medindo a posição do elétron? A simples interação do elétron com um fóton já é definida como uma medida. Assim, medida pode ser entendida como uma interação que obriga uma partícula a assumir algum valor determinado de alguma grandeza física. Esta grandeza pode ser posição, velocidade, energia, etc.

   Não é necessário apelar para seres conscientes tomando dados. A Mecânica Quântica continuaria válida se não existissem seres conscientes. Então a afirmação de que "as medições podem alterar o sistema" pode ser substituída por "as interações podem alterar o sistema".

   Mas como são estas alterações? As alterações que ocorrem no sistema são de natureza aleatória. Por exemplo, se um elétron tem probabilidades de 90% e 10% de estar respectivamente no interior ou no exterior de determinada esfera, a medida da posição o obrigará a localizar-se em uma das duas regiões. Mas a interação em si mesma não determina para qual das regiões o elétron irá. Interagir com um sistema seria como um jogar dados. Ao jogar um dado, uma pessoa o obrigará a cair em algum número, de um até seis. Mas o jogador não pode determinar ou prever o resultado final.

   Resta saber qual a escala destas alterações. O tamanho do elétron está na escala de 0,000000000000001 de um milímetro. Se a posição de um elétron é alterada em uma escala de 0,0000001 de um milímetro (que corresponde à escala do átomo), a alteração é gigantesca comparada ao tamanho do elétron. Mas se um ser humano tem sua posição alterada nesta escala, qual a implicação que isso teria?

   Todos os dias as pessoas perdem a ganham átomos através da respiração, alimentação, transpiração, etc. Assim o tamanho de um ser humano e sua posição variam em escalas muito maiores do que a atômica. Para perceber o mundo ao seu redor, o homem e os seres vivos em geral aproveitam a interação da luz (fótons), sons, substâncias químicas (que correspondem aos odores e sabores) entre outras coisas com os objetos ao seu redor.

   A escala destas mudanças é muitíssima pequena e pode ser desprezada. Assim os seres vivos podem atribuir posições e velocidades aos corpos que os rodeiam sem precisar levar em conta as alterações provocadas pelas "medições". Agora é possível ver sob que condição se pode concluir que a consciência altera a realidade. "Tomar consciência do mundo, ou seja, percebê-lo com os cinco sentidos, altera a realidade sem determinar qual será a alteração, e o faz em uma escala desprezível".
A Mecânica Quântica não afirma que curas, enriquecimento, sucesso e beleza possam ser obtidos pelo poder da consciência. Com isso não se deve concluir que não existe relação alguma entre o estado mental de uma pessoa e sua saúde. Nem se deve concluir que a Mecânica Quântica não tenha implicações práticas em nosso cotidiano.

   Todas as reações químicas e nucleares (tão importantes para a estrutura da matéria) dependem de efeitos só explicados pela Mecânica Quântica. Toda a nossa tecnologia eletrônica (que o leitor está usando para ler este texto) depende de efeitos quânticos. E nem mesmo se deve desprezar as implicações filosóficas e especulações sobre a Mecânica Quântica em relação aos conceitos de realidade e de consciência.

   Físicos de renome fizeram especulações bastante heterodoxas partindo de suas interpretações pessoais da Mecânica Quântica. David Bohm explorou a noção de organização e criou o conceito de "ordem implícita". O famoso conceito de paralelismo psicofísico (relacionados com o conceito de sincronicidade) foi criada por dois dos pais da Mecânica Quântica, Wolfrang Pauli e Paul Dirac, junto com o controvertido médico C. G. Jung.

   Porém ao contrário destes físicos citados, estes escritores modernos apresentam especulações superficiais sustentados por argumentos errados como se fossem a própria Mecânica Quântica. Nenhum físico com um mínimo de seriedade alega que a Mecânica Quântica garante que a consciência altera a realidade.


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Este artigo foi postado originalmente na página "Debate Acadêmico" do "Portal da UNESP" (http://www.unesp.br//noticias.php?secao=169&direto=S) no ano de 2008. Como o Debate Acadêmico passou a ser exclusivo de professores efetivos da UNIFESP (eu tinha sido porfessor substituto da UNESP em Itapeva e em São Vicente), meus artigos foram excluídos da página.

2 comentários:

  1. Bem explicado Prof. Leonardo.

    Seria, ao meu ver, interessante publicá-lo novamente em algum sitio de artigos científicos. Talvez com uma explicação mais complexa para quem estuda física também.

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  2. Muito obrigado Gabriel Luan Paixão Mota!

    Farei um artigo maisbem elaborado em breve! Se for aceitoem alguma revista, eu te aviso!

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